Contos eróticos de Natal - # Flores da cinza - BIOGRAFIAS ERÓTICAS
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Contos eróticos de Natal - # Flores da cinza

D
evo ter-me atrasado. Não fiz bem as contas. É sempre o mesmo. E agora? Incomoda-me isto. Comprometi-me e agora, porra!!. Parece que esta coisa de ser-se feliz também incomoda. Como nos realizamos? O tempo perde-se como areia ..

Há duas horas que conduzo em direção ao Norte, o meu amigo disse-me uma coisa enigmática ao telefone, “só preenchemos a vida com pessoas boas, nem que seja para nos incomodarem, anda, mete-te ao caminho, caralho, estamos à tua espera, amigo contamos contigo”, é como se fosse sem destino, e esta chuva!!


Tinham passado mais de dez anos, o que vou encontrar? E porque disse ele aquilo? Não falámos muito mais, e ainda por cima ter esta coisa minha, este hábito de confrontar as perguntas e as respostas em mim mesmo, sem poder equilibrar com opiniões, com discordâncias, tudo se resolve em mim, do principio até ao fim, foda-se! Pensava que essa coisa de jovem, de sentido da vida, estava resolvida. Tinha-me até esquecido.

O tempo voou mesmo, com sentido nenhum, as contas foram todas mal feitas, foi medo, preocupações com problemas e obstáculos, foda-se, detesto obstáculos, detesto desvios, nada como linhas retas, como esta estrada escura, molhada e fria.

Entro numa área de serviço, tenho de meter combustível, ainda me faltam uns bons quilómetros até chegar a casa deles, foda-se!! que frio gelado, não se vê ninguém, quase me esqueço que é Natal, que coisa mais lúgubre de pessoas em redor de uma mesa.

Festejam o nascimento de uma pessoa, que já sabem porque morre, quando morre, como morre e principalmente o que se sofre.

Estaria ele sozinho naquele momento como eu estou aqui? Porque morrer não é necessariamente mau quando antes se sofre assim. E o mais ilógico, como as suas palavras se separaram da sua vida e adquiriram vida própria.

Estava uma mulher mais velha na caixa. Recebeu o meu pagamento e sorriu. Não sei se eu retribui, eu devo ter perdido o meu tempo a pensar nos seus sentimentos, que estávamos naquele momento nas mesmas condições de solidão, quando eu nunca percebi esse conceito e fui sempre mais prático, que tinham escolhido a empregada mais velha porque “precisava” menos do Natal e alguém teria de estar a trabalhar.

À saída da loja, caminhava para o carro, apertei a gola do sobretudo em redor do pescoço, ainda pensei nela e corrigi-me, fi-lo rapidamente, hoje pareceu-me necessário, habitualmente não ligo a ninguém, tenho a dificuldade de compreender que há pessoas no mundo.

A minha cabeça apagou-lhe as rugas da cara e debaixo daquela capa do tempo, dos registos da vida, entrei mais profundo, uns segundos gastos, mas que mulher bonita!! noutra altura eu podia tê-la amado, em circunstâncias aleatórias, em que as pessoas se encontram por vezes, mesmo quando nada têm a ver umas com as outras.

E foi o suficiente, descobri que não era por ela ser velha, ou porque não precisava, ela era simplesmente generosa, e quando fui ainda mais fundo, pensei, talvez afinal fosse mesmo daquelas pessoas diferentes de mim e que têm tudo.

Sim, concordo, é generosa porque não precisa, e quem a ama terá apenas que a dispensar e partilhar neste dia, haverão muitos outros.

Fico parado no meu carro, pensando que para mim não há muitos outros, porque são raros. Já sei que não chegarei a tempo. Ainda estou a tempo de desistir, posso voltar para trás, tenho explicações, justificações, quanto a isso o meu engenho é ilimitado.

Agarro no telefone e uma humidade inunda-me os olhos, “não vou chegar a tempo, talvez para o ano”, do outro lado um silêncio, quando é longo demais é já ruido, “por favor, vem devagar, contamos contigo, o nosso programa és tu, esperamos se for preciso até de manhã, se não vieres não terá sentido termos-te ligado”.

Não sei se forcei o acelerador, antes disto tinha andado mais devagar com certeza, porque quando reparei estava à porta dele, agarrei no telefone, mandei a mensagem, “estou aqui”, abriu-me a porta uma mulher, demorei talvez uns segundos a reconhecê-la e antes de abrir a boca de surpresa o meu amigo de infância apareceu à porta com uma alegria rasgada, “entra, caralho”.

Sentaram-se no sofá a olhar para mim, em silêncio como se eu fosse motivo de análise que interessasse, se me faltava alguma coisa, se o meu eu resistente e incorrupto ainda ali existia, enfim se eu ainda podia ser a criança dantes, se era possível recordar e reviver, saíram-me umas palavras da boca, “casaste com ela?”.

Soltaram uma gargalhada uníssona, tão espontânea, tão reconhecida, arrancada da minha memória, mas sem deixar ferida, ela disse, “lembras-te?”, eu baixei os olhos, “se lembro, foste tu que, enfim ..”, eles sorriam, abanando a cabeça a dizer, diz, diz diz, mostrando pares de dentes brancos, “.. enfim ... perdi a virgindade contigo”.

O meu amigo deu uma gargalhada, “e também eu, caralho, que foda ...”, ela olhava para mim e foda-se!! regressou uma humidade aos meus olhos, e a mesma generosidade da velha, era igual, pensei eu, há bens que não permitem graduações, são como são.

Ela disse, “eu adorava como vocês me partilhavam ..tantas vezes ... eu sei que não é muito cristão”, o meu amigo olhou para mim, puxou-me pelo braços e pelos ombros, “anda vamos comer e beber, e foda-se!! meu amigo, há coisas que não mudam ... adoro esta puta”.

Eu mostrei os meus dentes e ri-me, “eu também ..gosto dela ”

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