𐌸 Quando a minha amiga disse que o conhecido dela era capaz de me levar ao céu eu não queria acreditar. Ela não me deu pormenores, mas ela sabia o quanto eu procurava, o sentido da vida e conhecer-me a mim própria, só podia ser uma viagem espiritual.
Esse era o meu caminho há décadas, visitara todas as igrejas, todos os ahsrams da India, todos os locais santos do mundo, videntes, místicos, profetas, e alquimistas, a todos eles me dobrara, nesse meu intenso fervor religioso, de velas, incenso, cheiro e cor, de livros antigos e histórias de vida, mas eu não encontrara ainda.
Mas eu persistia, se há um caminho há pessoas, se há pessoas há crentes, e então numa peregrinação desajeitada, ia iluminando os meus pés, hesitantes a descer becos escuros, com a verdade na mão e numa bola de cristal, a trilhar os obstáculos da física, calor, frio, montanhas e neve, juntos deles no seu habitat.
Quase me esquecia de dizer que essa minha procura estava facilitada pelo generoso rendimento e muitas propriedades que o meu falecido marido me deixou, eu ainda uma jovem viúva, cheia de saúde e esperança.
A minha amiga tinha-me dado a morada do tal conhecido e quando lá cheguei, o que posso dizer, não me agradou nada.
Apesar de digna e com personalidade, a moradia tinha um ar muito degradado por fora, de tinta baça de água corrida, rachas e cicatrizes nas paredes, ferrugem e musgo que a enegrecia, com uma selva a fazer de jardim, toda ela deixada à sua sorte, abandonada.
E a rua!!
A moradia e a rua pertenciam a dois mundos diferentes, como se a primeira já existisse há muitos séculos, e a segunda e as habitações á volta, um manto sem ordem e lógica, meias casas, barracas, e casebres, ali nascidos depois para a sitiar, com o abraço constritor de uma cobra.
Não devo ter demorado mais de meia hora até aquele sítio, da minha casa e bairro confortáveis, parada à porta daquela ruína, no interior aquecido do meu carro, eu senti um calafrio tremendo, na cavidade no líquido da minha espinha, um espasmo de dor de vértebra a vértebra, tão incomum que eu sabia que era medo.
Medo de sítios desconhecidos, onde não há guias ou manuais, reviews ou tutoriais, medo das pessoas que ali andavam, medo do tal conhecido, que me prometia levar ao céu, o que seria? Humano? Vampiro? Morto-vivo?
Eu estava perdida nestes pensamentos, irritada por a minha amiga me ter empurrado para este local, quando dei um salto de susto, alguém batia no vidro do carro, eu olhei e vi um homem de meia idade, com barba grande de escritor, e uns olhos egípcios serenos, quando ouço a voz dele, “venha, entre, estava à sua espera”.
Entrei na casa dele, e apesar do cheiro a bafio, de alguma coisa menos limpa, um pouco de repolho cozido, não sei porquê? mas o interior fez-me sentido, havia um caos organizado de objetos, livros, e pensamentos, um novo antigo misturado, um mundo fechado de um espírito único, sem cedências ou ruturas.
E quando ele disse, “vamos para a minha sala de trabalho, hoje sou eu que a levo ao céu”, uma espécie de manto quente me envolveu, uma luz espiritual sobre mim caiu, todas as fibras do meu corpo tremeram, e eu fui atrás dele até um quarto escuro, onde se escondia uma cama na luz mortiça.
Quando olhei para a cama, sem que houvesse outra mobília, sobressaltou-me a desarmonia e a solitude, apenas uma cama!!, debaixo de um feixe ténue de sol, e mais ainda quando ele me disse, “vou-lhe pedir que se dispa”, e eu perguntei, “despir como?”, e ele prosseguiu, “completamente”.
Eu podia não ter ouvido bem e insisti, “completamente quer dizer, completamente nua?”, ele abanou a cabeça a dizer que sim, e para acabar com as minhas dúvidas, ele continuou, “para a levar ao céu, eu tenho de lhe pôr as minhas mãos em cima”, ele mostrou-me as mãos e continuou ainda mais, “a sua amiga sabe, as minhas mãos são preciosas, é com elas que eu faço as mulheres tremer”.
Eu sei que a minha amiga é um pouco maluca, imaginei logo o quanto aquelas mãos tinham viajado pelo corpo dela, não que também não o desejasse, mas eu era uma mulher religiosa, esperava a grande mão macia de Deus, e não as duas de um homem qualquer.
Eu pousei os meus olhos sobre as mãos dele, eram grandes peludas e másculas, nascidas para um dom que desconhecia, ele disse, “não se vai arrepender, vou pô-la em transe, e depois vai ver, comunica com os anjos”, que diabo ele ao dizer aquilo, como poderia eu sair agora sem descobrir, prometeu-me ele conhecer anjos, e se calhar era o que eu queria.
Eu decidi despir-me e pedi para ele se voltar de costas, e enquanto fui tirando as minhas roupas aborrecidas, perguntei, “e o que faço?”, ele respondeu num murmúrio, “vai deitar-se de costas”, eu avancei nua para a cama e deitei-me, “agora vou pôr-lhe uma venda nos olhos, quero que sinta bem as minhas mãos, vamos juntos na minha nave, com o meu foguetão”.
Quando ele me tapou os olhos, milhares de imagens percorriam o meu cérebro, montanhas verdes do Tibete, recantos zen japoneses, o ruido e a violência das cidades, como se a energia fluísse rápida do meu corpo, feito de memórias viventes desnecessárias, quando as duas mãos, Haiii!! duas palmas como almofadas, que me tocaram num sossego adormecido.
Só um único pensamento se atreveu a percorrer o meu cérebro naquele momento, um que me dizia envergonhado, “foram tantas as deceções, não encontrara o que procurava, o sentido da minha vida, mas desta vez é verdade, desta vez vai funcionar”, as mãos navegavam lentamente pelo meu corpo ao saber da corrente e do tempo.
Foi rápido mas ouvi um farfalhar, alguma coisa que caia mole no chão do quarto, e depois mais que mãos, senti um corpo sobre mim, um que me abraçava e dizia “não estás só”, e a voz dele, uma voz húmida com cheiro a relva, hipnótica e telepática, falava não com a minha consciência, mas com os meus sentidos mais profundos, “deixa-me entrar”, dizia, “vamos juntos na nossa nave”, eu sabia, o pénis dele entrava na minha vagina, que os dedos dele lubrificavam, desculpava-me rápido porque tinha de ser rápido, “era uma união de carne, mágica e espiritual, o ser superior estava a ver-nos, e eu sentia que dizia que sim”.
Naquele momento, eu devo ter soltado um suspiro, tanto que ele dizia, “entra, ainda estás lá fora”, a minha consciência, razão, preconceitos, impunha-se sempre um pensamento, mesmo que fosse pouco e sem valor nenhum, “entra” dizia ele no meu ouvido, quando o pénis dele me trespassou fundo, como gelo glaciar se funde, á minha volta a minha vida ruiu.
Ele deve ter ouvido o meu gemido de prazer, senão não dizia “finalmente entraste, está cá, vamos de viagem”, ele começou a movimentar-se, eu a esquecer-me de mim própria, uma só névoa de nuvem me seguia, e depois de muitos anos passados, eu sabia como estar nos anjos, dele a acelerar em mim a penetrar, até que soltei um grito horrível, “ai ai”, de dissipação e vontade, de pressões acumuladas ao longo de anos, soltas pelas aberturas do meu corpo, tinha um orgasmo tremendo, e comecei a vir-me toda.
Achei que devia ficar em silêncio, ouço a voz dele, “desculpa, ainda não chegámos ao céu, vamos descansar aqui um pouco, e depois continuamos a seguir”, eu perguntei, “alguma vez vamos chegar lá?”, ele respondeu, “não, enquanto estivermos bem vivos, se chegarmos a algum sítio onde se possa dar e receber, é porque estamos no bom caminho, e não será esse o sentido? da vida? quero dizer?”.
Eu ouvi aquelas palavras sábias, rindo para mim comigo mesmo, que vindas de um charlatão sabido, mas nunca como agora, de viagem em viagem, eu tinha qualquer pressa de chegar ao destino.
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