António Botto |
António Botto (1897-1959) foi um poeta, contista e dramaturgo português. Fez parte da Segunda Geração Modernista de Portugal.
No domínio poético, António Botto cultiva o lirismo delicado e puro, oscilando sempre entre duas extremidades. Enquanto uns versos exprimem valores eróticos e sensuais, outros deixam transparecer o caráter social e realista da modesta sociedade lisboeta. Nos contos, acrescenta um caráter moralizante. Dedica-se à prosa de ficção, escrevendo narrativas para adultos e crianças.
António Botto colaborou com várias revistas e jornais, como “Athena”, “A Águia”, a “Contemporânea”, a “Presença”, entre outras. Em 1933 escreveu a peça de teatro, em três atos, “Alfama”. Publicou ainda: “Ciúme” (1934), “Sonetos” (1938) e “Ódio e Amor” (1947). Nesse mesmo ano, depois de levar uma vida desregrada e boêmia, frequentando a região das docas marítima, onde buscava a companhia de marinheiros, partiu para o Brasil.
1. Anda, Vem
Anda, vem... por que te négas,
Carne morêna, toda perfume?
Por que te cálas,
Por que esmoreces
Boca vermêlha, - rosa de lume!
Se a luz do dia
Te cóbre de pêjo,
Esperemos a noite presos n'um beijo.
Dá-me o infinito goso
De contigo adormecer,
Devagarinho, sentindo
O arôma e o calôr
Da tua carne, - meu amôr!
E ouve, mancebo aládo,
Não entristeças, não penses,
- Sê contente,
Porque nem todo o prazer
Tem peccado...
Anda, vem... dá-me o teu corpo
Em troca dos meus desejos;
Tenho Saudades da vida!
Tenho sêde dos teus beijos!
Carne morêna, toda perfume?
Por que te cálas,
Por que esmoreces
Boca vermêlha, - rosa de lume!
Se a luz do dia
Te cóbre de pêjo,
Esperemos a noite presos n'um beijo.
Dá-me o infinito goso
De contigo adormecer,
Devagarinho, sentindo
O arôma e o calôr
Da tua carne, - meu amôr!
E ouve, mancebo aládo,
Não entristeças, não penses,
- Sê contente,
Porque nem todo o prazer
Tem peccado...
Anda, vem... dá-me o teu corpo
Em troca dos meus desejos;
Tenho Saudades da vida!
Tenho sêde dos teus beijos!
2. A Noite Suavemente Descia
A noite
Suavemente descia;
E eu nos teus braços deitádo
Até sonhei que morria.
E via
Goivos e cravos aos mólhos;
Um Christo crucificado;
Nos teus olhos,
Suavidade e frieza;
Damasco rôxo, cinzento,
Rendas, velludos puídos,
Perfumes caros entornados,
Rumôr de vento em surdina,
Insenso, rézas, brocados;
Penumbra, sinos dobrando;
Vellas ardendo;
Guitarras, soluços, pragas,
E eu... devagar morrendo.
O teu rosto moreninho,
Eu achei-o mais formoso,
Mas, sem lagrimas, enxuto;
E o teu corpo delgado,
O teu corpo gracioso,
Estava todo coberto de lucto.
Depois, anciosamente,
Procurei a tua boca,
A tua boca sadía;
Beijámo-nos doidamente...
- Era dia!
E os nossos corpos unidos,
Como corpos sem sentidos,
No chão rolaram... e assim ficaram!...
Suavemente descia;
E eu nos teus braços deitádo
Até sonhei que morria.
E via
Goivos e cravos aos mólhos;
Um Christo crucificado;
Nos teus olhos,
Suavidade e frieza;
Damasco rôxo, cinzento,
Rendas, velludos puídos,
Perfumes caros entornados,
Rumôr de vento em surdina,
Insenso, rézas, brocados;
Penumbra, sinos dobrando;
Vellas ardendo;
Guitarras, soluços, pragas,
E eu... devagar morrendo.
O teu rosto moreninho,
Eu achei-o mais formoso,
Mas, sem lagrimas, enxuto;
E o teu corpo delgado,
O teu corpo gracioso,
Estava todo coberto de lucto.
Depois, anciosamente,
Procurei a tua boca,
A tua boca sadía;
Beijámo-nos doidamente...
- Era dia!
E os nossos corpos unidos,
Como corpos sem sentidos,
No chão rolaram... e assim ficaram!...
3. Quem é que Abraça o meu Corpo
Quem é que abraça o meu corpo
Na penumbra do meu leito?
Quem é que beija o meu rosto,
Quem é que morde o meu peito?
Quem é que falla da morte,
Docemente, ao meu ouvido?
És tu, Senhor dos meus olhos,
E sempre no meu sentido.
Na penumbra do meu leito?
Quem é que beija o meu rosto,
Quem é que morde o meu peito?
Quem é que falla da morte,
Docemente, ao meu ouvido?
És tu, Senhor dos meus olhos,
E sempre no meu sentido.
4. Se Me Deixares, Eu Digo
Se me deixares, eu digo
O contrario a toda a gente;
E, n'este mundo de enganos,
Falla verdade quem mente.
Tu dizes que a minha boca
Já não acorda desejos,
Já não aquece outra boca,
Já não merece os teus beijos;
Mas, tem cuidado commigo,
Não procures ser ausente:
- Se me deixares, eu digo
O contrario a toda a gente.
O contrario a toda a gente;
E, n'este mundo de enganos,
Falla verdade quem mente.
Tu dizes que a minha boca
Já não acorda desejos,
Já não aquece outra boca,
Já não merece os teus beijos;
Mas, tem cuidado commigo,
Não procures ser ausente:
- Se me deixares, eu digo
O contrario a toda a gente.
5. Tenho a Certeza de que Entre Nós Tudo Acabou
Tenho a certeza
De que entre nós tudo acabou.
Deixal-o!
Bemdita seja a tristesa!
- Não ha bem que sempre dure
E o meu bem pouco durou.
Não levantes os teus braços,
Para de novo cingir
A minha carne de seda;
- Vou deixar-te... vou partir.
E se um dia te lembrares,
Dos meus olhos côr de bronze
E do meu corpo franzino,
Acalma
A tua sensualidade,
Bebendo vinho e cantando
Os versos que te mandei
N'aquella tarde cinzenta...
Adeus!
Quem fica soffre bem sei;
Mas soffre mais quem se ausenta!...
De que entre nós tudo acabou.
Deixal-o!
Bemdita seja a tristesa!
- Não ha bem que sempre dure
E o meu bem pouco durou.
Não levantes os teus braços,
Para de novo cingir
A minha carne de seda;
- Vou deixar-te... vou partir.
E se um dia te lembrares,
Dos meus olhos côr de bronze
E do meu corpo franzino,
Acalma
A tua sensualidade,
Bebendo vinho e cantando
Os versos que te mandei
N'aquella tarde cinzenta...
Adeus!
Quem fica soffre bem sei;
Mas soffre mais quem se ausenta!...
6. Ouve, Meu Anjo
Ouve, meu anjo:
Se eu beijásse a tua pél?
Se eu beijásse a tua boca
Onde a saliva é um mél?...
Quiz afastar-se mostrando
Um sorriso desdenhoso;
Mas ai!
- A carne do assassino
É como a do virtuoso.
N'uma attitude elegante,
Mysteriosa, gentil,
Deu-me o seu corpo doirado
Que eu beijei quase febríl.
Na vidraça da janella,
A chuva, léve, tinia...
Elle apertou-me, cerrando
Os olhos para sonhar...
E eu, lentamente, morria
Como um perfume no ar!
Se eu beijásse a tua pél?
Se eu beijásse a tua boca
Onde a saliva é um mél?...
Quiz afastar-se mostrando
Um sorriso desdenhoso;
Mas ai!
- A carne do assassino
É como a do virtuoso.
N'uma attitude elegante,
Mysteriosa, gentil,
Deu-me o seu corpo doirado
Que eu beijei quase febríl.
Na vidraça da janella,
A chuva, léve, tinia...
Elle apertou-me, cerrando
Os olhos para sonhar...
E eu, lentamente, morria
Como um perfume no ar!
7. Tu Mandaste-me Dizer
Tu mandaste-me dizer
Que tornavas novamente
Quando viesse a tardinha;
E eu, para mais te prender,
- N'esse dia...
Pintei de negro os meus olhos
E de rôxo a minha boca.
As rosas eram aos mólhos
Para a noite rubra e louca!
Entornei sobre o meu corpo,
- Que fôra delgado e bello!
O perfume mais extranho e mais subtil;
E um brocado rôxo e verde
Envolveu a minha carne
Macerada e varonil.
Os meus hombros florentinos,
Cobértos de pedraria,
Eram chagas luminosas
Alumiando o meu corpo
Todo em fébre e nostalgia.
Nas minhas mãos de cambraia,
As esmeraldas scintillavam;
E as pérolas nos meus braços,
Murmuravam...
Desmanchado, o meu cabello,
Em ondas largas, cahia,
Na minha fronte
Ligeiramente sombría.
Estava pallido e dir-se-hia
Que a pallidez aumentava
A minha grande belleza!
Na minha boca ondulava
Um sorriso de tristeza.
A noite vinha tombando.
E, como tardasses,
Fiquei-me, sentádo, olhando
O meu vulto reflectido
No espelho de crystal;
E afinal,
Nem frescura, nem belleza,
No meu rôsto descobri!
- Ó morte, não me procures!
E tu, meu amôr, não venhas!...
- Eu já morri.
Que tornavas novamente
Quando viesse a tardinha;
E eu, para mais te prender,
- N'esse dia...
Pintei de negro os meus olhos
E de rôxo a minha boca.
As rosas eram aos mólhos
Para a noite rubra e louca!
Entornei sobre o meu corpo,
- Que fôra delgado e bello!
O perfume mais extranho e mais subtil;
E um brocado rôxo e verde
Envolveu a minha carne
Macerada e varonil.
Os meus hombros florentinos,
Cobértos de pedraria,
Eram chagas luminosas
Alumiando o meu corpo
Todo em fébre e nostalgia.
Nas minhas mãos de cambraia,
As esmeraldas scintillavam;
E as pérolas nos meus braços,
Murmuravam...
Desmanchado, o meu cabello,
Em ondas largas, cahia,
Na minha fronte
Ligeiramente sombría.
Estava pallido e dir-se-hia
Que a pallidez aumentava
A minha grande belleza!
Na minha boca ondulava
Um sorriso de tristeza.
A noite vinha tombando.
E, como tardasses,
Fiquei-me, sentádo, olhando
O meu vulto reflectido
No espelho de crystal;
E afinal,
Nem frescura, nem belleza,
No meu rôsto descobri!
- Ó morte, não me procures!
E tu, meu amôr, não venhas!...
- Eu já morri.
8. Foi n'uma Tarde de Julho
Foi n'uma tarde de Julho.
Conversávamos a mêdo,
- Receios de trahir
Um tristissimo segrêdo.
Sim, duvidávamos ambos:
Elle não sabia bem
Que o amava loucamente
Como nunca amei ninguem.
E eu não acreditava
Que era por mim que o seu olhar
De lagrimas se toldava...
Mas, a duvida perdeu-se;
Fallou alto o coração!
- E as nossas taças
Foram erguidas
Com infinita perturbação!
Os nossos braços
Formaram laços.
E, aos beijos, ébrios, tombámos;
- Cheios d'amôr e de vinho!
(Uma suplica soáva:)
«Agora... morre commigo,
Meu amôr, meu amôr... devagarinho!...»
Conversávamos a mêdo,
- Receios de trahir
Um tristissimo segrêdo.
Sim, duvidávamos ambos:
Elle não sabia bem
Que o amava loucamente
Como nunca amei ninguem.
E eu não acreditava
Que era por mim que o seu olhar
De lagrimas se toldava...
Mas, a duvida perdeu-se;
Fallou alto o coração!
- E as nossas taças
Foram erguidas
Com infinita perturbação!
Os nossos braços
Formaram laços.
E, aos beijos, ébrios, tombámos;
- Cheios d'amôr e de vinho!
(Uma suplica soáva:)
«Agora... morre commigo,
Meu amôr, meu amôr... devagarinho!...»
9. Andáva a Lua nos Céus
Andáva a lua nos céus
Com o seu bando de estrellas.
Na minha alcova,
Ardiam vellas,
Em candelabros de bronze.
Pelo chão, em desalinho,
Os velludos pareciam
Ondas de sangue e ondas de vinho.
Elle olhava-me scismado;
E eu,
Placidamente, fumava,
Vendo a lua branca e núa
Que pelos céus caminhava.
Aproximou-se; e em delirio
Procurou ávidamente,
E ávidamente beijou
A minha boca de cravo
Que a beijar se recusou.
Arrastou-me para Elle,
E, encostado ao meu hombro,
Fallou-me d'um pagem loiro
Que morrêra de Saudade,
Á beira-mar, a cantar...
Olhei o céu!
Agora, a lua, fugia,
Entre nuvens que tornavam
A linda noite sombría.
Déram-se as bocas n'um beijo,
- Um beijo nervoso e lento...
O homem cede ao desejo
Como a nuvem cede ao vento.
Vinha longe a madrugada.
Por fim,
Largando esse corpo
Que adormecêra cansado
E que eu beijára loucamente
Sem sentir,
Bebia vinho, perdidamente,
Bebia vinho... até cahir.
Com o seu bando de estrellas.
Na minha alcova,
Ardiam vellas,
Em candelabros de bronze.
Pelo chão, em desalinho,
Os velludos pareciam
Ondas de sangue e ondas de vinho.
Elle olhava-me scismado;
E eu,
Placidamente, fumava,
Vendo a lua branca e núa
Que pelos céus caminhava.
Aproximou-se; e em delirio
Procurou ávidamente,
E ávidamente beijou
A minha boca de cravo
Que a beijar se recusou.
Arrastou-me para Elle,
E, encostado ao meu hombro,
Fallou-me d'um pagem loiro
Que morrêra de Saudade,
Á beira-mar, a cantar...
Olhei o céu!
Agora, a lua, fugia,
Entre nuvens que tornavam
A linda noite sombría.
Déram-se as bocas n'um beijo,
- Um beijo nervoso e lento...
O homem cede ao desejo
Como a nuvem cede ao vento.
Vinha longe a madrugada.
Por fim,
Largando esse corpo
Que adormecêra cansado
E que eu beijára loucamente
Sem sentir,
Bebia vinho, perdidamente,
Bebia vinho... até cahir.
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