Soneto do Olho do Cu (em férias) - BIOGRAFIAS ERÓTICAS
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Soneto do Olho do Cu (em férias)

Nada pior que a crise da folha branca e para a atacar de frente nada como fazer umas férias.

O “Soneto do olho do cu” não foi divulgado na forma impressa, mas preservado durante décadas, em ambíguo ocultamento que também significou sobrevivência.

Rimbaud e Verlaine não escreviam para se tornarem autores canónicos (o que lhes renderia, além de prestígio, muito dinheiro). Pelo contrário, enfrentavam os cânones do gosto e das relações de poder. 

Poetas malditos à época e porventura ainda hoje, porque, bem vendo, pouco ou nada mudou, apenas a máscara, sobreviveram ao tempo, os outros não.


SONETO DO OLHO DO CU

Obscuro e franzido como um cravo roxo,
Humilde ele respira escondido na espuma,
Úmido ainda do amor que pelas curvas suaves
Dos glúteos brancos desce à orla de sua auréola.

Uns filamentos, como lágrimas de leite,
Choraram, ao vento inclemente que os expulsa,
Passando por calhaus de uma argila vermelha,
Para escorrer, por fim, ao longo das encostas.

Muita vez minha boca uniu-se a essa ventosa;
Sem poder ter o coito material, minha alma
Fez dele um lacrimário, um ninho de soluços.

Ele é tonta azeitona, a flauta carinhosa,
Tudo por onde desce a divina pralina*,
Canãa feminino que eclode na umidade.

(Paul Verlaine e Arthur Rimbaud)


A tradução é de Heloísa Jahn e está no livro Para ser caluniado – Poemas Eróticos, mas a beleza dos detalhes é invenção e culpa exclusivas dos poetas.

(*) pra.li.na sf (fr praline) Noz confeitada.


No que se refere ao objeto tematizado pelo poema de Verlaine e Rimbaud (o olho do cu), há um riso de acolhimento, visão carinhosa e desejante daquela parte menosprezada do corpo - um olho de fêmea, conforme a referência parodiada e o anúncio no verso final: Canaã feminino. 

Na condição de paródia, essa identificação de género se torna objecto de flutuações: será isso mesmo? E o ato de parodiar também permite perceber que nada é apenas sagrado nem apenas maldito, no jogo sem fim da metaliteratura, rindo do objeto de paródia, mas também rindo de si. O corpo e a literatura são objetos do riso, e também sujeitos desse ato. O riso de Rimbaud e Verlaine sabe que faz parte do mundo rido e ridente.

O poema apresenta o olho do cu, antes de mais nada, através de imagens que remetem a sua difícil visibilidade (obscuro), misturada a desprestígio social (identificação a sujeira, feiúra – virada pelo avesso no poema, todavia), a seu caráter tátil (pregueado), a cor e potencial aroma (cravo violeta). É como uma flor de difícil acesso, para ser vista, apalpada, cheirada. Trata-se de um trânsito repentino, do ignóbil ao absolutamente nobre, beleza visual, perfume e textura de flor, dotado de uma nobreza outra, diferente dos valores instituídos. E a poesia de Rimbaud e Verlaine opera esse trânsito.

(Rir do Corpo - Paródia e riso num poema de Rimbaud e Verlaine (Marcos Silva))

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