Sensualidade, perversão, remorso, reincidência.
Ingredientes perfeitos para uma das cenas mais eróticas da literatura universal.
1. Vou reproduzir aqui o trecho, antes contextualizando-o na narrativa.
O Miranda era um comerciante português que casara com a “levada da breca” Estela, cujo dote garantia-lhe a prosperidade nos negócios.
Tendo apanhado em flagrante a mulher em adultério com um dos seus caixeiros (o que se repetiria ao longo dos anos com outros empregados), Miranda, acovardado diante da possibilidade de escândalo e perda de status social, decide simplesmente pela separação de corpos, dormindo desde então em quartos separados, mas mantendo as aparências do casamento.
Até que um belo dia, ou melhor dizendo, uma negra noite, “sentindo-se em insuportável estado de lubricidade”, o sujeito, se remoendo de dúvidas e vacilações, vai ao quarto da mulher, que se tornara, para ele, uma espécie de fruto proibido desde que se impusera o dever moral de desprezá-la.
Para resumir, Estela, fazendo que dormia, deixou-se penetrar pelo marido. No dia seguinte, cruzam-se constrangidos pela casa, comportando-se como se nada houvera acontecido. Miranda afoga-se em culpas e promete a si mesmo nunca mais cair em tentação.
2. Passemos agora a palavra diretamente ao romancista:
“Mas, daí a um mês, o pobre homem, acometido de novo acesso de luxúria, voltou ao quarto da mulher.
Estela recebeu-o desta vez como da primeira, fingindo que não acordava; na ocasião, porém, em que ele se apoderava dela febrilmente, a leviana, sem se poder conter, soltou-lhe em cheio contra o rosto uma gargalhada que a custo sopeava.
O pobre-diabo desnorteou, deveras escandalizado, soerguendo-se, brusco, num estremunhamento de sonâmbulo acordado com violência.
A mulher percebeu a situação e não lhe deu tempo para fugir; passou-lhe rápido as pernas por cima e, grudando-se-lhe ao corpo, cegou-o com uma metralhada de beijos. Não se falaram.
Miranda nunca a tivera, nem nunca a vira, assim tão violenta no prazer. Estranhou-a.
Afigurou-se-lhe estar nos braços de uma amante apaixonada: descobriu nela o capitoso encanto com que nos embebedam as cortesãs amestradas na ciência do gozo venéreo.
Descobriu-lhe no cheiro da pele e no cheiro dos cabelos perfumes que nunca lhe sentira; notou-lhe outro hálito, outro som nos gemidos e nos suspiros. E gozou-a, gozou-a loucamente, com delírio, com verdadeira satisfação de animal no cio.
E ela também, ela também gozou, estimulada por aquela circunstância picante do ressentimento que os desunia; gozou a desonestidade daquele ato que a ambos acanalhava aos olhos um do outro; estorceu-se toda, rangendo os dentes, grunhindo, debaixo daquele seu inimigo odiado, achando-o também agora, como homem, melhor que nunca, sufocando-o nos seus braços nus, metendo-lhe pela boca a língua úmida e em brasa.
Depois, um arranco de corpo inteiro, com um gemido gutural e estrangulado, arquejante e convulsa, estatelou-se num abandono de pernas e braços abertos, a cabeça para o lado, os olhos moribundos e chorosos, toda ela agonizante, como se a tivessem crucificado na cama.”
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